quarta-feira, 9 de março de 2022

Amendoeiras em Flor




Há muitos anos atrás, quando ainda o país era governado, ou desgovernado pelos mouros quem sabe não conta, existia um príncipe famoso por toda a península Ibérica. O seu nome, Almorávidas, jovem de constituição colossal, heroico aos olhos do povo, nunca antes fora derrotado por maiores e que por mais batalhas travasse.

Certo dia ao nascer do sol, dirigiu-se com os seus mais temidos homens junto à praça onde os escravos seriam vendidos. Eis que seus olhos negros se deparam com uns belos olhos azuis, cabelo amarelo e pele clara como a neve. Corpo esguio e refletido aos primeiros raios de sol uma bela jovem, triste, claro está, mas lindíssima criatura feminina. Deslumbrado, nem tanto pela formosura, pelo corpo, olhos ou cabelo, o príncipe também ele ficou aprisionado.

O cérebro ordenava que se movesse, que as pernas andassem e seu corpo saísse dali para fora, mas como tudo na vida, nem sempre nestas ocasiões o coração obedece. Sentiu o que nunca sentira! Que raio! de repente os seus ouvidos ouvem a sua própria voz ordenar que a bela escrava, quase uma menina se aproximasse.

- Como te chamas, perguntou ele.

- Gilda, respondeu.

- Gilda? Que tal um nome diferente: Princesa do Norte. 

A escrava encolheu os ombros e desinteressada responde que como propriedade que é, o novo título aceitaria de muito bom grado. O coração do príncipe bateu descompensado, o peito apertou como quem aperta uma corda ao pescoço de um animal selvagem. A voz voltou a sair apenas para declamar a liberdade da escrava. Queria passear com ela, queria mostrar os jardins e todo o reino. Queria ainda montar o seu cavalo castanho, segurar a mão da jovem, tocar o seu corpo e beijar os seus lábios enquanto o seu cabelo loiro esvoaçava ao vento.

A jovem fora libertada! 

Os dias foram passando e, escusado será dizer que quem ficou aprisionado fora o príncipe!  Desde o raiar, ao escurecer do pensamento e ao coração… O olhar fixava consistentemente na maravilhosa criatura a quem a liberdade queria capturar de novo. Tão rapidamente o casamento foi consumado como os olhos da jovem princesa foram lacrimejados. Ninguém percebia porquê. O calor do verão desapareceu, as folhas caíram e o Inverno já se instalara quando o príncipe mandou chamar um velho escravo, amigo da princesa na esperança de “tirar nabos da púcara”, uma vez que os médicos do reino de nada serviram. O velho escravo movido pela amizade, nostalgia e responsabilidade confidenciou ao príncipe que sua esposa sofria de saudades de sua terra natal. É que no inverno além de fazer frio, também nevava muito! De imediato o príncipe mandou plantar amendoeiras, as maiores que o mundo tinha. Aproveitou o Inverno para que elas florissem em fevereiro.

Assim foi! Uma bela manhã, quando as amendoeiras estavam todas floridas nas extensas planícies até às ingremes montanhas, a jovem princesa sobe ao terraço e depara-se com uma paisagem deslumbrantemente branca até onde os olhos conseguiram alcançar.

As amendoeiras tinham florido e pintavam de branco! O inverno deu lugar à primavera, as lágrimas ao sorriso e as amendoeiras ao nome do lugar de Almendra. Os dias da corte em que as senhoras bordavam, deram lugar a grandes passeios, risos, prosas e poesias. E eram mais ou menos assim:

 "Amendoeira em Flor
 
Quem quererá desfrutar destas flores
P´las terras do Douro em rio que corre?
Deslumbre de aromas encantos de odores
Salpicos de rosa, em branco que envolve!
 
Jardim fascinado germina em amores
Em braços teus, Princesa recolhes,
Tamanha beleza de adorno e cores…
Expandes alvuras em sonhos que acolhes.
 
Pureza da Beira, em teu branco nascer;
Alegres de orla, em teu rosa crescer;
Fascinados por ti… em teu esplendor.
 
Encantas nas linhas, viagens tecer;
Frescos jardins … deixai-nos morrer,
Cativados por ti… Amendoeira em Flor!"

 

Nos longos dias de verão, as amêndoas eram colhidas pelos escravos, o povo vislumbrava a corte com os bolinhos dessa maravilhosa fruta. As longas noites de inverno eram passadas à lareira com um naco de amêndoa caramelizada ou um delicioso bolo de amêndoa cozido com o maior dos carinhos no forno a lenha. Passou a nevar naquela região em que as amendoeiras florescem no início da primavera, onde os trovadores cantam ao rio, à natureza e à neve. A princesa tornou-se numa grande poetisa e entoava ao seu príncipe assim:

 "Noite de magia
 
Passeio na rua da aldeia fria
Deserta que no cair da noite fica,
Recolhem-se gentes cansadas da lida
Aquecem a casa acendem fogueiras,
 
Gelando e tremendo sem arredar pé
Fico quieta esperando que alguém,
Repare no mesmo que já notei…
Enfrente o frio e o sinta também!
 
Aquilo que eu sinto, tanta alegria
No qual me parece sendo magia,
Cobria a rua com o seu véu…
 
Menina de gorro, jovem de trança
É alegria de gente criança,
Flocos de neve vindos do céu!"


Carla Bordalo 

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