Lenda de Marcos


Naqueles verões da minha infância em que raramente a chuva premiava as terras quentes da aldeia, uma história era infinitamente contada e ouvida com a mesma atenção e entusiasmo como se fosse pela primeira vez.
A história conta o pedaço de vida de um homem de nome Marcos que as avós das nossas avós conheceram e que hoje eu, vos vou também contar: Há muitos anos atrás vivia-se com muito pouco e Marcos pai de família, tinha muitas bocas para sustentar. Naquele tempo, a miséria era muita, a fome apertava nos lares pobres em Invernos rigorosos e tal como outras pessoas, Marcos também percorria vales e montes na aventurada expectativa de encontrar alimento. Junto à raia, fazia-se algum comércio trazido de Espanha através de estreitos caminhos de cabras, onde só passavam mesmo os homens e os animais carregados de contrabando.
Astuto, levado pela necessidade, ou apenas pela curiosidade, resolveu fazer vigias durante a noite às cargas e aos carregadores. Marcos, conhecedor da serra como quem conhece todos as linhas de suas mãos, sabia das rotas, e escondido no mato, resolveu que seria mais útil esperar a carga, que ir a Espanha comprar a carga. Em pleno dia, amarrou uns chocalhos à ponta dos fios e quando os animais passavam durante a noite, assustavam-se e caiam. Rapidamente Marcos aproveitava para os roubar, escondendo os valores em grutas. Marcos, ladrão, da aldeia teve que fugir e na serra se esconder. Durante muitos anos, sua mulher caminhava serra acima cuidando e visitando Marcos. E talvez num daqueles belos e soalheiros dias primaveris, em que o calor convidou um carinho entre eles, sua mulher lhe terá dito: “Marcos, já tens cabelos brancos, já te podes ir arrependendo!”
Nesse Verão, não choveu e sua mulher vagueava pela aldeia dizendo: “Se querem água na terra, vão buscar Marcos à serra”. Tal como a loucura encoberta, também na razão desconhecida, ninguém lhe liga! Sete anos passaram sem água e o povo desesperava enquanto a mulher de Marcos reclamava: “Se querem água na terra, vão buscar Marcos à serra”.
E num infundamentado bloco de ideias e circunstâncias desconhecidas, o povo juntou curiosidade e tempo. Subiram a serra numa manhã quente e seca de Outono e, guiados no caminho pela mulher de Marcos, o povo ficou surpreendido, não por encontrarem o corpo coberto de folhas, mas sim pelo seu perfeito estado de conservação.
Ao descerem na sua caminhada, carregando com o corpo, cai uma forte chuvada bem no meio do trajecto. O corpo foi enterrado onde está implantada a igreja.
Em anos que não chovia, lá subia o povo com o padre da Aldeia em romaria pela serra, conta-se que a água sempre caía na descida.
Conta-se ainda, que um dia, algum iluminado pensador, concluiu que ele era santo pelo estado de conservação do corpo e pelo milagre da chuva que regou os campos secos nesse dia, e decidido o tentou desenterrar. Mas cada vez que cavava, notava que a terra aumentava podendo ser o esqueleto que mais se enterrava, ou a terra levitava...
Lenda ou não, na Serra de São Marcos ainda estão as ruínas daquela que dizem ser a sua casa, e as duas grutas onde supostamente Marcos escondeu o que roubou também se encontram lá, dando actualmente refúgio a alguns morcegos.

Carla Bordalo