O Segredo de Ernesto



O cheiro da castanha assada já se fazia notar por toda a aldeia com o crepitar das chamas ao final do dia, em que reunidos logo após a rápida merenda do jantar se faziam rebentar no carvão, as cascas do saboroso fruto ainda meio verde acabado de sair do envolvente ouriço que picava os dedos quando aberto e acompanhava assim o inicio da conversa ao redor da lareira.
A pequena casa da Tia Belmira reunia quase sempre uma mão cheia de pessoas que lhe levavam uma garrafita de jeropiga – “para embeber as castanhas quentes e saborear um doce refresco!” - dizia a sobrinha Arlete, enquanto a cunhada desta, Augusta, juntava mais umas brasas na cinza, distanciando cuidadosamente das chamas, para que assassem apenas com calor.
A Tia Belmira, sentada na pequena cadeira, ia descascando sobre a saia preta as castanhas que lhe queimavam as mãos já enrugadas pelo passar dos 80 anos, enquanto arranjava o velho xaile preto de lã – “que me protege do frio nas costas que nunca aquecem”. - dizia o José Manuel, um rapazola de 15 anos completados pela altura das festas de Santa Maria de Aguiar, e a quem todos travavam por Zé Manel, safanou o mocho, um banquito de três patas onde estava refastelado um dos gatos da Tia Belmira, que de tão preguiçoso e velho, as suas cores não distinguiam já o castanho queimado pelas cinzas da lareira: - “Vai caçar ratos estropício de animal.” O velho animal, não se querendo arrastar na ida ao sobrado, muito menos sucumbir ao frio, procurou refúgio no quente colo da Ondina, sua irmã mais nova.
“Deixa o animal em paz!" - disse-lhe, enquanto afagava o pêlo do gato. - “O bicho mal consegue ver a comida do prato, quanto mais enxergar só com um olho algum rato! Se não fosse a Ti Belmira, já o desgraçado tinha morrido ou de fome ou de frio”.
“Não passa do inverno” - disse a Arlete, enquanto ajeitava o lenço preto na cabeça. “Também eu não!” - suspirou a Tia Belmira!
“Ó minha tia, deixe-se lá desses devaneios, que ainda há-de durar mais 20 anos” - recomendou a cunhada – “prove mas é pinga de jeropiga antes que lhe suje a pedra da lareira, que depois custa muito a limpar”.
Belmira, de olhos fixos no lume, assumiu uma expressão angustiante no rosto, como quem absorve o calor das chamas tentando prendê-lo para sempre numa laje fria ao quente. Ignorou o conselho recebido, enquanto saíam suspiros dos lábios, concretizando um facto quase eterno em lamentos. “Duro, duro! Ainda fica para semente a maldita sombra do lobisomem que atormenta as pessoas no campo. Até nas ruas…Nem viva-alma! Já ninguém vai matar o serão no café do Rodrigo! Tenho medo de abrir a janela sozinha, antes de me ir deitar para dar uma migalha de pão aos gatos que lá estão a miar. Ainda se há-de vir aquecer nesta lareira de pedra que o pai do João talhou com as mãos e, também ele já se foi! Ainda me entra pela porta, quando já eu estiver a dormir na minha cama!
Ainda ontem, quando vos foste embora, antes de ir para a cama, levava no avental o resto das côdeas do jantar e ouvi um barulho infernal que mais pareciam os cascos do cavalo do Manel Sapateiro. Àquelas horas! Escuro como breu! Bem vi, quando ele fechou o cavalo no palheiro e foi cear.”
“Ele teve medo! Encontrei-o a essa hora quando vinha de ordenhar as ovelhas.” - Disse a Augusta. – “Deu-me as salvas, branco como a cal!”
“Ele está branco, é porque não come, ou é do frio, pois hoje arrefeceu muito.” - interveio o Zé Manel.
“Está mas é calado, rapaz!” - interrompeu a Arlete, com uma expressão de desagrado no rosto –“tem as duas irmãs em casa e estás tu a inventar uma coisa dessas! Tem mas é juízo, que idade não te falta. O homem teve medo, pronto. E depois? Quando chegares à idade dele, vais ver como elas te moem”.
“Pois sim! - disse o Zé Manel entre dentes, tentando obedecer e ao mesmo tempo na esperança que o som acabado de emitir não fosse ouvido pela mãe. Mas fora, e já os olhos dela fulminavam rios de chamas, quando a cunhada lhe tocou no braço afagando a situação para continuar a narrativa: - “Perguntei-lhe se estava doente, pois não seria de espantar um homem daquela idade a trabalhar de sol a sol e ainda ter tempo para remendar as solas dos sapatos desta gente toda! Mas não. Ele estava assustado das sombras que vira lá para os lados da Devesa Dona, quando passava pela horta da Felisbela”!
“Qual quê!” - interrompe o rapaz inquieto com o desenrolar da conversa. “O homem está mas é a ficar cego e já vê sombras por todo o lado!”
“Mas que raio de rapaz este! Incrédulo que tu és, meu irmão, deixa acabar de contar” - pediu Ondina.
“Então ouve,” - disse-lhe a tia: “Pois se é verdade que todos comentam, o homem também não ia mentir, que eu bem li nos olhos dele o medo que carregava, quando me contou que vira no chão outra sombra e não era do cavalo dele! Disse ainda que subia o caminho montado no dorso do cavalo, quando reparou que o animal começava a ficar assustado e não queria passar pela regadeira de água que cortava o caminho para o quintal na tapada da Maria do Luís. Desceu-se do cavalo para não cair e ao desmontar reparou que tinha duas sombras no chão de dois animais diferentes e que uma delas não era de nenhum cavalo, mas sim a sombra de um macho! E tu, rapaz, não me venhas dizer que àquela hora encontras duas sombras pelo reflexo do sol!” - Adiantou a tia antes que o rapaz abrisse a boca para negar tal constatação de sombras diferentes reflectidas no chão.
“Ai tia Augusta!” - suspirou a pequena Ondina. “Ande lá depressa com a história” - pediu, enquanto mostrava os pequenos braços com pele de galinha. “Já tenho os cabelos em pé! Fico sempre assim cada vez que passo por aquela alma penada do Gilberto. Sempre para cima e para baixo, de café em café. Deve percorrer a aldeia, mais de cem vezes por dia. Aquele homem não dorme!”
“Não te assustes com o Gilberto que esse não faz mal a ninguém! Ficou assim há muito tempo e são outros assuntos… Muito antigos! É apenas um solitário, e uma alma que não faz mal a ninguém.” - Sossegou a mãe - “Aqui a conversa é outra, pois já há muitos anos que o vento faz remoinhos pelas searas colhidas em pleno Agosto e por onde passa, leva tudo. Mas acabamos por recolher o que perdemos na manhã do dia seguinte junto à porta da igreja.”
“É verdade.” - Afirma a Tia Belmira - “mas lá que assusta, assusta! Principalmente durante algumas noites mais escuras que não se vê a lua no quarto minguante. Além disso, sempre ouvi contar que o remoinho nunca devolvia as navalhas que roubava das merendas por onde passava. Remoinho! Qual quê! Mais parecia um furacão! Ainda me lembro quando há uns anos atrás, e tu também lá estavas, Arlete, lembras-te?” - Perguntou à sobrinha, esperançada que esta confirmasse a história. Esta assume um simples aceno de cabeça afirmativo para deixar a tia falar.
“Tínhamos acabado de apanhar as batatas na Moita e já estavam o Alberto e o Artur a começar a comer, quando se dirige sobre eles numa rapidez… Parece que correu até lá e depois ali ficou mais um bocado a rodopiar junto deles. Foi pouco tempo ali à roda sobre a merenda… Rodava, rodava e de repente foi embora pelo mesmo sítio donde veio até desaparecer de vista. Quando demos por nós, tínhamos a comida por terra. O meu Ricardo, que Deus o tenha, ainda procurou a faca que eu tinha na cesta para limpar alguma terra do pão e dá-lo a comer aos homens com as azeitonas que sobraram, mas qual faca, qual quê! Na manhã seguinte ainda fui procurar nas escadas do Cálvário, mas nunca apareceu! Levou sumiço. Mal empregada faquinha, que cortava tão bem!”
“Ó tia, não se aquiete!” - Diz-lhe a pequena. – “Quando for com o pai à feira trago-lhe outra, uma nova que eu também perdi a perna da minha boneca e o padrinho Rogério disse que me dava dinheiro para comprar uma boneca nova.”
“Ai! Aos anos que isso já foi. Já comprei mais facas e navalhas, e já se perderam também com o tempo!” - Constatou a velha senhora sorridente, enquanto levava o copo aos lábios para ajudar a empurrar a última castanha que lhe transformara a voz no engasgar do riso.
Também as castanhas já tinham desaparecido do borralho, juntamente com a doce jeropiga, quando Arlete se levantou após olhar para a pequena que acabara de abrir a boca deixando sair um bocejo. “Vamos indo para casa que amanhã é dia de trabalho.” - Informou a mãe, enquanto calçava os pés com as gastas alpergatas e dirigia o olhar ao filho – “ Vamos lá rapaz que amanhã tens de alimentar o gado antes da missa.”
 O rapaz obedece, diz até amanhã e dirige-se com a mãe e a irmã para a porta. Arlete, com a filha nos braços que entretanto caía a cabeça nos ombros da mãe para lhe amparar do sono, despede-se - “Até amanhã! Vamos ver se não apanho muitas sombras.!” - E entrega-se ao caminho, absorvida num desejo enorme de correr para casa com os filhos. - “Ainda são alguns metros até casa” - diz ela sorrindo.
Augusta fez ainda algumas recomendações à Tia Belmira, enquanto varria o canto da lenha e ajustava num monte, o resto das cinzas e as cascas das castanhas junto à lareira prevenindo o atear do fogo “alguma desgraça”. “Tranque bem a porta quando eu sair, e deixe lá os gatos que têm tempo de comer amanhã! Eles que cacem os ratos.O que não falta por aí é comida!” Apesar de morar logo ali ao lado, iria prevenir a curta caminhada com uma corrida até casa, pensou a sobrinha depois de fechar a porta atrás de si.


Belmira ergueu o braço até à mesa da cozinha onde se encontrava o pão de quilo dentro da taleiga de estopa bordada nos tempos de moça, e fatiou algumas côdeas de pão que guardou no regaço. Deu um nó no avental para não caírem ao chão e levantou-se. Ajustou o xaile preto sobre as costas, e num gesto arrastou a idade até à unica janela da casa. Atirou o pão que restara do jantar aos gatos, que já pelo farnel esperavam no miar da rua, habitualmente no mesmo local, todas as noites e quase sempre à mesma hora com o mesmo miar de quem espera alimento. Quem nunca esperava ver passar era a figura de Ernesto. Aquele homem com quem deveria ter casado na flor verdejante da juventude quando ele lhe segredara aquelas palavras que nunca mais ouvira. Tão juntinho ao pescoço, enquanto apenas a lua testemunhava aquele desejo! Mas ela recusara. Recusara envaidecida pelas origens e por temer o pai, quando lhe contava histórias antigas debaixo da amoreira na descasca do milho. Chorou nesse dia, quando descobriu que aqueles olhos azuis não tinham a mesma cor que o pai biológico. Chorou toda a noite, e a desilusão de saber que o Ernesto, o seu querido Ernesto fora encontrado numa noite na soleira da porta, abandonado dentro de um cesto e recolhido… Recolhido, e amado! Decisão infortunada. Tão infortunada como esse coração cobarde que tivera enquanto menina. E todas as noites voltava à janela, e todas as noites tentava reencontrar o Ernesto. Agora um velho, um velho de ninguém. O Ernesto cumpriu a promessa e nunca casou. Mas Belmira obedecera ao pai e anos mais tarde rendeu-se entre a escolha de casar e morar na rua. Como fora tola! Pensou. Nunca germinou qualquer semente do curto casamento. Estava com os gatos e uma cama fria. Sem ninguém que lhe aquecesse os pés nas noites geladas naqueles malditos invernos. Apenas tivera os sobrinhos e as vizinhas como companheiros, depois que o seu Ricardo se fora. Agora dedicava um pouco do seu tempo, da sua noite com ou sem luar, aos gatos e sempre na expectativa de ver passar o seu Ernesto! Ai Ernesto se me conseguisses perdoar, agora passarias por aqui e sem me veres eu ver-te-ia mesmo nas sombras apenas hoje… Só hoje, num último momento. Belmira não viu passar o seu Ernesto, mas uma sombra que lhe parecia ser o solitário Gilberto seguido do barulho de cascos dum qualquer cavalo a correr pela calçada em direcção a ela. Tremeu, e num ápice fechou a janela. Já não queria ver, muito menos esperar…. Mas voltou atrás e espreitou, queria ter a certeza definitiva. Já tinha vivido muito, estava na hora de ver. Ver, acreditar e sentir pela última vez. E viu!
Enquanto atravessava a modesta sala em direcção ao quarto, sentiu o peso dos anos que exerciam sobre ela numa deliciosa noite de contos e lembranças. Levando a mão ao peito sorriu. O seu coração ainda batia. Poderia ser momentâneo, mas bateu com a mesma desmedida força com que um dia batera.


Zé Manel, depois de se retirar para o quarto, ainda ouviu as queixas da irmã, quando este a enxutou dizendo que não a queria a dormir com ele. A pequena foi-se aconchegar nos braços da mãe que a cobriu com beijinhos. Passeava no pequeno quarto, como quem corre entre caminhos de sombras divididas por mil trilhos. Saltar pela janela e encontrar os braços de Aurora seria o seu desejo, mas enfrentar sozinho a escuridão da noite, seria demais. Não hoje, não agora! Recolheu-se nos cobertores, como quem se esconde de si próprio, e das voltas que deu na cama, já tinha a barriga aos saltos. Lamentou-se ter comido tantas castanhas, lamentou-se ter provado da jeropiga, lamentou-se ter combinado com a sua amada e num só movimento, saltou da cama. Vestiu novamente as calças e arranjou coragem para guardar no bolso a navalha e saltar pela janela, deixando no quarto o candeeiro a petróleo apagado.
Zé Manel desce os degraus da antiga escadaria forrada a granito e abre o velho portão de ferro, tentando ouvir como único ruído o batimento em seu peito. Àquela hora da noite a aldeia já adormecera há muito e o rapaz não conseguia ouvir qualquer som de vivalma. Apenas uma voz interior que lhe sussurrava “tens medo,” - e ele respondia frequentemente - “qual quê, eu sou o Zé Manel, o destemido!” - e ia dirigindo os pensamentos aos lindos olhos de Aurora, e até já podia cheirar o seu perfume, o aroma a rosas… já tocava no seu cabelo e percorria o jovem corpo nu numa descoberta de sentimentos. A presença da navalha no bolso dava-lhe confiança para conseguir virar a esquina, saltar o muro do quintal dos pais de Aurora e atirar uma pequena pedrinha. A sua amada abriria a janela e a ansiedade passaria.
Zé Manel não queria ser visto na rua e não pretendia ver ninguém, muito menos o velho Ernesto que acabara de sair ao pátio para verter águas. Gostava de conversar com ele e nunca perdia oportunidade de ouvir mais uma das suas fantásticas histórias aos domingos logo após a missa. Ernesto esperava por ele nas escadas e o jovem fazia-lhe companhia logo depois da eucaristia. Mas não era Domingo, e aquela não seriam com certeza a altura mais indicada para dois dedos de prosa. Reteve-se em silêncio e só continuou quando teve certezas que o amigo não deu pela sua presença. Seria um fracasso mais uma sombra, uma janela indiscreta ou o vulto do Gilberto que estava prestes a cruzar com ele. “Aquele indivíduo parecia uma alma penada” - pensou. E quando se cruzaram quase ao mesmo tempo do virar da esquina, o coração disparou do peito do jovem, ora inquieto, ora assustado, ora desiludido por alguém revelar a sua presença naquela hora da noite, e se assim fosse, de manhã todos ficariam a saber e ele seria alvo de suspeitas e sujeitado em mil perguntas.
Teria que arriscar! O desejo falava mais alto e já não podia voltar atrás. A distância já se mostrava curta quando um suave ruído o agitou. “Não é nada, é só o vento!” Mas depressa o suave levantar do vento se transformou num forte burburinho seguido por rápidas cavalgadas batidas pelos cascos de animal. O jovem sem hesitar volta atrás e corre desesperado em auxílio do Ernesto. Enfrentando o que se lhe deparava à sua frente como assustadoramente desconhecido, mete a mão ao bolso, e de punho cerrado, atira a navalha aberta com toda a sua força tentando acertar com a lâmina afiada no estranho remoinho à sua frente.
Zé Manel ouviu um grito, ao que se seguiu um primeiro som aflitivo de dor, outros se juntaram sem saber o jovem ao certo se os gemidos que vinham na sua direcção eram os seus, os alheios nos breves momentos que lhe pareceram infinitos, para o levar também. Assustado fechou os olhos durante alguns segundos que lhe pareceram eternos, até que deixou de ouvir fosse o que fosse. Quando despertou, a primeira claridade do dia permitiu-lhe constatar que ele continuava parado no mesmo sítio, mas a sua navalha tinha desaparecido juntamente com o remoinho. Ergueu o corpo e deparou com a enorme tristeza de ter perdido o encontro com Aurora, mas contente por ter resistido com vida.


O Jovem estava ciente de que Aurora jamais lhe perdoaria por a ter feito esperar a noite inteira, mas ainda assim teria de tentar. Deveria explicar o sucedido? Não! Ela não acreditaria, ninguém acreditaria, ele próprio não teria acreditado se lhe tentassem impingir uma história daquelas como desculpa. Na certa ainda passaria por louco na aldeia e sujeitava-se a perder a sua Aurora para sempre.
Rapidamente terminou as suas tarefas na expectativa de se justificar com Aurora à saída da missa. Arranjaria forma de se desculpar pela noite anterior e a ter novamente em seus braços. Ao chegar perto da igreja, deparou-se com grande alvoroço por parte de um grupo de pessoas em que umas discutiam, outras gritavam, outras sorriam, mas quase todas elas tinham uma faca, uma navalha ou mesmo um punhal na mão e Zé Manel correu até lá para se juntar e descobrir o verdadeiro significado daquela algazarra. Os sinos tocaram e as pessoas entraram na igreja para assistirem à Eucaristia Dominical, deixando o jovem sozinho com remorsos e pensamentos. Como poderia ele entrar também naquela igreja, depois do que fizera! Matara o lobisomem com a própria navalha e sentia que de suas mãos escorria sangue. Deixou-se ficar sentado nas escadas do Calvário decidido a esperar cabisbaixo pelo Ernesto e pelos seus sábios conselhos. E amuado estava, quando o amigo lhe entrega um rolo de tecido branco envolvendo algo consistente. Admirado, Zé Manel encara Ernesto depois de descobrir lá dentro a sua navalha e encontra pela primeira vez no rosto deste um estranho brilho de felicidade que nunca antes vira.
Ernesto levanta a camisa e deixa mostrar uma ligadura envolvendo o peito. Estupefacto e confuso, Zé Manel fica em silêncio para demonstrar em palavras os sentimentos que o assombram.
“Já há muito que conheço o teu segredo. Conheces tu, também o meu. Ontem mataste o lobo, amanhã respeitas o homem e promete que só revelas o segredo, apenas quando mais ninguém se lembrar de mim.” - Zé Manel concordou com um breve aceno típico e sorriu.
A história ficaria guardada e seria contada por um dos seus descendentes. Agora, estava na hora de ir ao encontro da sua amada.


Carla Bordalo