quarta-feira, 9 de março de 2022

A Costureirinha

A menina que nascera apenas de uma mãe, desconhecendo o significado de ser criada por um pai, depressa aprendeu os truques da costura. Cresceu envolta aos cortes e talhava uma saia ou uma camisa melhor que muitos alfaiates de renome com uma tesoura nos acertos e alinhavos de fatos azuis-escuros domingueiros e casamenteiros. Perfeita nos acabamentos, depressa desenvolveu o gosto pelos alforges mais refinados e ambiciosos que as mãos lhe permitiam conhecer. Passava os dias absorvida nos seus talentos como quem passa pela poesia orgulhosa dos reflexos únicos da mera existência. Os anéis não chegavam para complementar a sede do orgulho e da embebida vaidade em que consumia cada palavra despejada nas amizades mal cultivadas. Apaixonou-se também ela em dia destinado a uma prova de roupa masculina. Que bem que ficara aquele corpo vestido e talhado de tão sublime conforto! Mera poesia a uma paixão impossível comprometedora de seu coração em que tanto passou a sangrar sem precisar de uma agulha para o furar. Nenhuma linha poderia rematar aquele estrago, nem a máquina de costura remendaria um coração desfeito. Os seus dias eram gastos na costura, sentada junto à janela de agulha na mão com um coração roto igual a um trapo velho à espera que os olhos vissem um alfinete para o farrapo lavar. Já nada brilhava, muito menos o sol que sorria e convidada a um lindo dia de piqueniques em que a fome tingia, mas que o estômago, apertado não permitia. Sua mãe conhecia a causa daquele sofrimento e conseguiu que a filha saísse para um passeio, esperançosa que a dor desaparecesse. Talvez para desanuviar aquele coração mergulhado numa monologa paixão, ou talvez porque nunca acreditou que o amor pudesse matar, espremia agora na filha uma paixão do bater na porta da vida, arrancando das veias na própria morte. A casa foi vendida pela desgostosa mãe a outra família que passou a viver as noites no mais profundo desassossego. O barulho de uma máquina de costura, não permitia que os donos da casa dormissem. Os ruídos de uma tesoura em suposto tecido, ainda se admitiam, agora aquele incomodativo chiar dos pedais que permitiam fazer com que a corrente circulasse e a agulha deslizasse… era demais! Já ninguém estava com a mínima pachorra de aturar constantemente aquela situação, ainda mais porque a dona da casa já tinha apetrechado muitos enxovais sem mover um único dedo! Carla Bordalo



 













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